segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-MA culpa o Sindicato dos Agentes Penitenciários por mortes em Pedrinhas




Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-MA, o advogado Luís Antônio Pedrosa, acusa o Sindicato dos Agentes Penitenciários de estar por trás das mortes e rebeliões ocorridas no Complexo Penitenciário de Pedrinhas.

Pedrosa lembrou que a própria governadora Roseana Sarney já havia acusado segmentos dos agentes penitenciários de corrupção, e de provocar as trágicas ocorrências no presídio apenas para derrubar o secretário de Administração Penitenciária, Sebastião Uchôa, que estaria implantando metodologia de trabalho contrária a seus interesses.

De acordo com Pedrosa a situação chegou ao limite quando o secretário Sebastião Uchôa descobriu que a corrupção era endêmica e resolveu substituir os diretores ligados aos sindicatos. “E aí, coincidentemente, começaram as mortes. Claro que, se não houvesse facções, elas não tinham começado. Mas as facções foram organizadas com o apoio desses segmentos de agentes”.

O sindicato é presidido por Antônio Benigno Portela, que segundo Pedrosa, é ligado politicamente à governadora Roseana Sarney.

A acusação é grave por não distinguir quem é mais bandido dentro de Pedrinhas. E, caso queiram mesmo resolver a situação deve-se investigar as denúncias feitas pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB.

Ainda na entrevista, Pedrosa faz uma interessante avaliação do sistema penitenciário do estado confirmado a barbárie e o descaso do governo Roseana Sarney em resolver os gargalos da segurança pública. Leia a entrevista:

Em presídio maranhense, não é garantia o apenado se abrigar no Primeiro Comando, ‘40 Ladrão’ ou Anjos da Morte: basta um zum-zum para ele se ver sob os chuços da facção inimiga

BONDE ERRADO

MÔNICA MANIR

SÃO LUÍS, MA – Lohanny, de 1 ano e meio, arrancava pela segunda vez a atadura que envolvia a mãozinha queimada; sua mãe passava por uma cirurgia de enxerto de pele em outro hospital; seu pai, Jadson, buscava informações sobre a esposa; sua irmã por parte de mãe, Ana Clara, chegava ao velório num caixão branco; e não muito longe dali o pai de Ana Clara, Wenderson, enterrava o próprio avô, vítima de enfarte ao saber da tragédia que atingira as duas famílias.

Os Santos e os Sousas estavam aturdidos. Tomavam o velório e o cemitério pedindo bênção aos mais velhos e se abraçando em desalento, perguntando para onde vai o mundo quando jovens atiram gasolina em crianças e ateiam fogo em seguida, saindo pela porta da frente de um ônibus em chamas.

Era a tarde de segunda-feira, três dias depois da “queimação” em São Luís. O advogado Luis Antonio Pedrosa caminhava com o ouvido grudado ao celular. Do outro lado da linha a irmã de um apenado rogava pela transferência do parente para a Cadet, a Casa de Detenção. Ali 9 foram mortos e 20 ficaram feridos numa rebelião em outubro. Mas a irmã insistia que o irmão estaria mais protegido em uma cadeia dominada pelo Primeiro Comando do Maranhão e não pelo Bonde dos 40.

Pedrosa tentava explicar que não era simples assim: “Um agente penitenciário, um monitor ou outro preso pode espalhar o boato de que o moço é, sim, do Bonde”, me diz. “Num dia em que vai pegar sol no pátio, matam ele. Não tem segurança nenhuma, não tem como se agarrar a nada.”

Presidente em terceiro mandato da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MA, Pedrosa já teria visto de tudo nos presídios do Maranhão: homens torturados, policiais inaptos, agentes corruptos, revistas humilhantes, chuços afiados e mais de um vídeo nauseante de mutilação. A diferença, nos últimos tempos, foi o aumento das mortes nos presídios do Estado e o vazamento do que há tempos andava fétido.

“A sociedade comprou a cultura do extermínio e agora não sabe o que fazer com isso”, afirma Pedrosa numa sala gelada da sede da OAB, no bairro do Calhau, onde se desenrolou esta conversa. Lá fora, a rua denunciava os 38°C de tensão de quem tinha de pegar transporte público para voltar para casa ou de quem precisava passar perto de um posto de combustível. Nas redes sociais rolava o viral de que os postos seriam os próximos a explodir, em mais uma ação das facções de Pedrinhas.

Estadão – Por onde o senhor começaria a análise dessa crise do sistema prisional maranhense? Pela concentração de presídios na capital?

Pedrosa – Há um caldo de motivações para isso, entre elas uma dívida histórica que se aprofundou muito neste governo. Faz mais de dez anos que as instituições que monitoram o sistema penitenciário prenunciam a falência desse modelo. É preciso descentralizar os presídios para que os presos do interior não sejam obrigados a vir para cá e se associarem a uma organização criminosa para se defender. O governo parou.

Estadão – Por que parou?

Pedrosa – Em entrevista recente, a governadora disse que o dinheiro foi devolvido ao departamento penitenciário nacional por causa de entraves burocráticos para a concepção dos projetos. A verdade é que não há gestão política preocupada com o problema prisional. Primeiro porque prisão não dá voto. Segundo porque ali estão os mais pobres. Terceiro porque há uma cultura que acha que os presos têm é que se matar dentro da cadeia, não é problema da sociedade. Mas hoje a sociedade está aterrorizada porque percebeu que essa violência pode fugir de controle. É o que está ocorrendo. E que era previsível que ocorresse.

Estadão – A partir de quando a violência fugiu de controle? Houve um estopim?

Pedrosa – Como o método de trabalho deste governo é sempre jogar a responsabilidade em alguém, nessa mesma entrevista a governadora responsabilizou, entre outros setores, um segmento corrupto dos agentes penitenciários, cujo presidente de sindicato na verdade está ligado ao grupo Sarney. É um sindicato que defende a tortura e foi ele quem entregou, em dezembro, um vídeo fajuto ao CNJ de um homem agonizando com uma perna esfolada, após suposta sessão de tortura em Pedrinhas.

Estadão – A troco de quê o sindicato teria feito isso?

Pedrosa – Com o intuito de derrubar o titular da pasta da administração penitenciária, Sebastião Uchôa, que defende a metodologia de presídio da Apaq (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados), entidade católica que propõe a gestão das penitenciárias pelos próprios presos. A Apaq foi testada em São Paulo e Minas Gerais e diminuiu muito a violência e o índice de fuga. Essa visão de ressocialização entrou em confronto com esse segmento dos agentes penitenciários, ainda mais quando se descobriu a corrupção endêmica que havia dentro dos presídios. Uchôa substituiu os diretores ligados aos sindicatos e aí, coincidentemente, começaram as mortes. Claro que, se não houvesse facções, elas não tinham começado. Mas as facções foram organizadas com o apoio desses segmentos de agentes.

Estadão – Há apenas duas facções no Estado inteiro?

Pedrosa – São duas as principais: o PCM e o Bonde dos 40. O PCM é um regional do PCC, mas com métodos diferentes. Ele organizou os presos do interior do Estado a partir da Cadet, cujas lideranças foram para presídios de segurança máxima no sul do País e de lá voltaram afiliadas ao PCM. Aliás, é por isso que a transferência de cabeças para esses presídios não resolve. É uma estrela no uniforme, um galardão, que afirma uma lógica inversa para o senso comum. O preso com passagem em presídio federal volta articulado com facções nacionais e referenciado pela massa carcerária para liderança.

Estadão – Como se articula o Bonde dos 40?

Pedrosa – O Bonde dos 40 Ladrão, como eles se chamam, no singular, representa os presos da capital. Ele conseguiu rapidamente aparelhar um exército de associados e seus crimes são mais espetaculares em termos de violência que os do PCM. Mas já existe uma dissidência do Bonde, o Comando da Ilha, mais agressivo, atuando dentro e fora do presídio. E há os Anjos da Morte, um grupo diminuto, muito discreto e que não participou até hoje de rebelião nenhuma. Veja que qualquer triagem de presos se torna frágil diante dessa diversidade.

Estadão – As mortes podem estar acontecendo também devido a uma triagem malfeita?

Pedrosa – Sim, malfeita e precária, porque não é uma triagem científica que verifica o perfil do apenado, a trajetória dele, as incompatibilidades que acumulou ao longo da vida criminal. Isso exige equipes multidisciplinares, deveria integrar um serviço de inteligência para que essas informações pudessem ser socializadas a ponto de resgatar dados que a assistência social não teria previamente. Mas é realizada de forma amadora e produz morte.

Estadão – Existem muitos presos aguardando julgamento no Estado?

Pedrosa – Estamos entre os sete Estados onde o número de presos provisórios é maior que o de definitivos. É uma vergonha e um escândalo, que não diz respeito apenas ao Executivo, mas principalmente ao Judiciário. É a ele que cabe julgar, de forma célere, os processos criminais. E já morreu preso nas rebeliões cuja única acusação que pesava sobre ele era o não pagamento de pensão. Há pouco tempo também morreu um receptador de pneus. Antes do final do ano, encontrei em Pedrinhas um homem acusado de roubar um saco de cimento. Ele está lá correndo risco de vida, porque esses presos de menor periculosidade geralmente são alvo de violência.

Estadão – Causou choque o vídeo em que três homens aparecem degolados no complexo. A prática da degola é comum nos presídios maranhenses?

Pedrosa – Já tínhamos ocorrência de degola, mas em 2010 ela passou a ser sistemática, e um dos envolvidos era um índio guajajara. Ele tinha sido preso em Pedrinhas em razão de um homicídio no município de Barra do Corda, ainda muito jovem. Era a primeira vez que tinha saído da aldeia para visitar a cidade, onde teria se embriagado na companhia de amigos não índios e matado alguém durante uma briga. Em função do sotaque carregado, passou a ser estigmatizado no presídio, e se afirmou por demonstrações sucessivas de coragem e de violência. Segundo outros presos, ele teria iniciado o ritual macabro da degola, com as vítimas ainda vivas. Entrou por um crime que o manteria lá por 4 a 6 anos e já estava com mais de 20 de pena quando o encontramos. Foi transferido para um presídio de segurança máxima em Mato Grosso do Sul. O ritual, enfim, passou a ser uma assinatura das facções, simbolizando o terror como espetáculo para divulgação de suas práticas e intimidação dos adversários.

Estadão – O senhor conhece mais vídeos de terror feitos em Pedrinhas?

Pedrosa – Quando o juiz recebeu aquele vídeo falso do sindicato, eu disse que tínhamos vídeos piores. Num deles o preso teve o olho extraído e jogado ainda pulsando na direção de uma juíza que negociava as reivindicações; em outro abriram o tórax de um preso, tiraram o coração, deceparam seu pé e o colocaram dentro da cavidade. Entrar num presídio logo após uma rebelião é encontrar vísceras.

Estadão – E por que não divulgaram essas imagens?

Pedrosa – Porque essa inscrição de crimes era uma mensagem deles, e não queríamos ser instrumento para que chegasse à população. Mas eventualmente isso está no YouTube, como estão os raps do Bonde dos 40 sobre o imaginário do crime, que é o método deles de atingir a juventude, de cativar aqueles que estão completamente abandonados pelas políticas públicas. Somos a capital de Estado com a maior concentração de jovens, cerca de 40% da população. Essas pessoas são pobres, o direito à educação é constantemente violado, os colégios são de péssima qualidade e a perspectiva mais promissora na cabeça de um adolescente de periferia é integrar uma organização criminosa ou um grupo criminoso, porque pelo menos ali ele consegue impor o respeito que a sociedade não lhe dá. Isso é um fator que agravou sobremaneira a violência no Estado, e hoje as facções criminosas arregimentam nos seus quadros principalmente essa juventude.

Estadão – O senhor acredita que a presença da Tropa de Choque no Complexo de Pedrinhas tende a arrefecer a violência?

Pedrosa – Não, pelo contrário, pode até agravar. A polícia não foi adestrada para lidar com pessoas presas, a polícia foi adestrada para prender. Tem que dialogar com o preso a partir de outro referencial: a expectativa dele na prisão, os medos, os limites, a violência, que é outra lá dentro. O Brasil nunca investiu numa polícia desse tipo. A nossa é um fracasso em termos de atuação tendo como referencial a dignidade das pessoas. O referencial é a pressuposição de que o cara é bandido. E, sendo um bandido, tem que ser tratado como tal.

Estadão – Com a morte de Ana Clara, esse referencial tende a ganhar força?

Pedrosa – Isso aterrorizou mais ainda a população. Não à toa, o senador João Alberto estava no velório da menina, prestando condolências. Ele se notabilizou pela chamada Operação Tigre, que matou muita gente no sul do Maranhão, criminosos e inocentes. Um segmento da população, a do bandido bom é bandido morto, quer a volta dele. Isso tudo tem a ver com presídio. Somente uma visão como essa é que sustenta o modelo prisional do extermínio. Prisão é para morrer lá, abandonado.

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