quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Jagunços ameaçam matar líderes comunitários no Maranhão


 “No mato ninguém broca. Fui muito paciente com vocês. Agora vou fazer do meu jeito. Vou lotear a terra e vou vender, e ninguém vai se intrometer”, teria dito o político, acompanhado por jagunços, a algumas das famílias que residem no local. As 73 famílias que vivem no território quilombola produzem mandioca, arroz, milho e feijão para a subsistência.


Cinco lideranças da comunidade quilombola São Benedito dos Colocados, no município de Codó, no Maranhão, estão sendo ameaçadas de morte por jagunços contratados por um latifundiário e político tradicional daquela região. As ameaças têm motivação no conflito agrário, já que o latifundiário em questão pretende expulsar as famílias para lotear e vender parte da área.
“No mato ninguém broca. Fui muito paciente com vocês. Agora vou fazer do meu jeito. Vou lotear a terra e vou vender, e ninguém vai se intrometer”, teria dito o político, acompanhado por jagunços, a algumas das famílias que residem no local. As 73 famílias que vivem no território quilombola produzem mandioca, arroz, milho e feijão para a subsistência.

A comunidade ocupa uma área de 544 hectares habitada desde 1870 – de um período anterior à Lei Áurea, portanto –, e que é certificada pela Fundação Cultural Palmares (FCP), vinculada ao Ministério da Cultura, como território remanescente de quilombo. O latifundiário quer deslocar as famílias que residem no local para uma área de menor interesse imobiliário para lotear pelo menos 300 hectares do território total. As intimidações e ameaças sofridas pelas lideranças foram denunciadas à Promotoria de Justiça da Comarca de Codó, com o promotor local se comprometendo a acompanhar o caso e ouvir tanto os líderes comunitários quanto o latifundiário denunciado. Um boletim de ocorrência também foi registrado na Delegacia de Polícia de Codó, ainda que o posto estivesse sem acesso ao sistema de dados da Polícia Civil maranhense.

Uma das lideranças que vêm sendo ameaçadas pelos jagunços a mando do latifundiário é o agente Cáritas Valdivino Silva (foto acima). Ele faz parte do Movimento Nacional de Economia Solidária, compõe a coordenação estadual da Rede Mandioca e é o presidente do Conselho Regional da Cáritas no Maranhão. Os outros líderes comunitários são Francisco das Chagas Vieira da Cruz (conhecido também como Caçula), José Domingo de Souza (Peixeiro), Domingo Alves de Souza e Antônio Francisco Santana Oliveira, todos residentes em São Benedito dos Colocados. As ameaças começaram no dia 21 de julho, quando o político latifundiário esteve na comunidade acompanhado de três pistoleiros, um dos quais bastante conhecido na região. “Ele é filho de jagunço. Era mototáxi, mas, depois que o pai morreu, passou a ser pistoleiro também. É um caboclo pequeno, a princípio tu não dá nada por ele. Mas é um cabra violento, sem compaixão. Dizem que já matou oito pessoas. Eu conheço duas mortes provocadas por ele”, disse uma pessoa da comunidade.

De acordo com Valdivino Silva, após a “visita” do latifundiário, os pistoleiros voltaram ao local percorrendo várias residências e perguntando nominalmente pelas lideranças ameaçadas. Eles passavam de casa em casa apontando quem morava ali, numa tentativa clara de intimidar os moradores. Como é agente comunitário de Saúde, Valdivino convocou os moradores para uma reunião na perspectiva de ouvir a comunidade sobre o que estava ocorrendo. A reunião foi marcada para a noite de 27 de julho. Na tarde daquele dia, os jagunços retornaram à comunidade conduzindo motos e perguntando novamente pelas lideranças (nenhum dos homens ameaçados foi encontrado). Os pistoleiros também avisaram que retornariam à noite para a reunião. No horário marcado, cerca de 60 pessoas se reuniram para debater a situação da comunidade. Um carro preto com vidros fumê, escoltado por duas motos, cada uma delas ocupada por dois homens, foi visto circulando pelos arredores naquele horário.

No dia seguinte, Valdivino procurou o escritório da Cáritas Regional Maranhão para denunciar as ameaças de morte e as intimidações sofridas pela comunidade. “Aqui em Codó, quando há ameaça, é difícil que não ocorra morte. Quem é ameaçado, se é comum, morre. Talvez (o latifundiário e seus jagunços) fiquem mais quietos por enquanto, porque este ano tem eleições (municipais). Mas vão matar”, denuncia Valdivino. Na visita ao Regional, o agente Cáritas conversou com Elias Pereira, ouvidor da Secretaria Estadual dos Direitos Humanos e Participação Popular (foto abaixo). De acordo com o secretário-executivo da Cáritas Regional Maranhão, Ricarte Almeida Santos, a intenção é que Valdivino e os demais líderes comunitários ameaçados de morte sejam incluídos em um programa de proteção a vítimas mantido pelo governo do estado ou por organismos federais. “Também estamos divulgando amplamente o fato como forma de constranger os agressores na prática dos crimes”, aponta Ricarte.

Nesta quarta-feira, dia 17 de agosto, uma comitiva formada pelas lideranças comunitárias ameaçadas e por outros trabalhadores rurais vai manter uma série de diálogos com instituições públicas na capital do estado, São Luís, para denunciar a violência e debater medidas de proteção. Valdivino lembra que 85% da população de Codó se define como preta ou parda, conforme o censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). São pessoas que descendem dos trabalhadores e trabalhadoras submetidos à escravidão nas grandes plantações de algodão que dominaram a paisagem da região de São Benedito dos Colocados até o final do século XIX, quando o regime escravocrata foi oficialmente abolido no Brasil.

Por Luciano Gallas / Assessoria Nacional de Comunicação da Cáritas Brasileira

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