O legítimo desejo de fazer Justiça não pode minar o edifício do Estado de Direito








Repercutiu de forma negativa no Maranhão o voto do Senador Roberto Rocha na sessão da última quarta-feira, favorável ao relaxamento da prisão do senador Delcídio Amaral,o fato foi muito explorado pelos inimigos políticos do senador e ocupou espaço nos blogues de jornalistas aliados ao governo do Estado que fazem intensa campanha contra Roberto Rocha. 

Em resposta à avalanche de criticas e ataques o Senador Roberto Rocha divulgou nota justificando sua posição e expondo os motivos de seu voto, sugiro ao leitor que antes de criticar leia os argumentos do senador. 

UM VOTO POLÊMICO

Há dois aspectos a se distinguir no voto dado pelos senadores na sessão da última quarta-feira, que homologou a decisão do STF de prender o senador Delcídio Amaral.

O primeiro aspecto é o da culpa ou inocência do senador. Naquele dia tenso, à medida que chegavam as notícias sobre a conduta do senador, foi ficando evidente, para todos nós, que estávamos diante de um quadro gravíssimo, indefensável à luz de qualquer exame, incompatível com a postura que se espera de um homem público.

Ninguém ali, quando entramos no plenário, duvidava das provas e evidências que estavam expostas como carne viva, para o nosso desapontamento e decepção. No entanto, e é isso que muitas vezes é difícil para o cidadão entender, não estávamos ali para decidir se o senador era culpado ou inocente. Esse papel não nos cabe, como senadores. Não estávamos, muito menos, reunidos para decidir se o senador merecia ou não estar preso. Esse é o papel do juiz, não do parlamentar.

É aí que entra o segundo aspecto. Cabia ao Senado, tão somente, decidir se acatava ou não a deliberação da Suprema Corte de, num rito sumaríssimo, decretar a prisão de um Senador, quando nossa Constituição afirma taxativamente que “desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável.” Isso é parte de um sistema de garantias, não para o parlamentar, mas para a democracia.

Estávamos diante de uma situação inédita, inaugural, sem precedentes no Senado da República. Nessa matéria, portanto, não há professores, não há autoridade, não há jurisprudência. Tive o cuidado de ouvir juristas, antes de firmar minha convicção. Ficou claro, para mim, que a interpretação dada pelo Supremo se chocava com o texto constitucional que afirma que são crimes inafiançáveis o racismo, a tortura, o tráfico ilícito de drogas, o terrorismo, os definidos como crimes hediondos, o genocídio e os praticados por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, XLII e XLIII da CR).

Em que cenário se enquadrava o crime atribuído ao senador Delcídio? Foi preciso um longo malabarismo interpretativo para estabelecer a figura estranha de um flagrante continuado, que deu ensejo à prisão e à caracterização de inafiançável. A partir daí tudo correu no rito natural para desembocar na previsível abonação do Senado ao ato do STF.

De minha parte, fui o último a votar, na esperança de que o debate caminhasse para elucidar essas questões que me atormentaram ao longo do dia. Será justo abrir mão de garantias constitucionais para oferecer à opinião pública o espetáculo de uma execução sumária, além de tudo tomada pelo ânimo de vítimas que foram os próprios juízes das difamações registradas contra eles nas falas do acusado?

Não vi, nos debates em plenário, qualquer alusão ao fato, para mim evidente, de que estávamos ali sacrificando princípios básicos da Constituição, os quais constituem os tijolos e alicerces do Estado de Direito. Eu poderia, e posso estar errado, mas os dias que se seguiram àquela votação trouxeram, e continuam trazendo, diversas manifestações de especialistas de renome apontando o grave risco que corremos ao ceder os fundamentos de um sistema de garantias às conveniências do momento.

Lembro as palavras de Eugênio Zaffaroni, que dizia que “é um erro grosseiro acreditar que o chamado discurso das garantias é um luxo ao qual se pode renunciar nos tempos de crise”.

Meu voto tinha a perfeita dimensão da turbulência que iria causar. Acusam-me de proteger bandidos, de defender a corrupção, de envergonhar os maranhenses. Muitos, a imensa maioria, de boa-fé. Quem não está cansado de ver a imunidade ser confundida com impunidade? Quem não está perplexo com o enredo de delações e o desassombro com que a conduta criminosa vem agindo nos últimos anos?

Mas eu prestei juramento como senador de “guardar a Constituição federal e as leis do país”. Ao votar para conceder uma espécie de habeas-corpus ao senador Delcídio, entendi que esse era o caminho da defesa da Constituição, que não pode relativizar as garantias que são os pilares da ordem democrática. Como bem sintetizou o brilhante jurista Roberto Batochio, “não existe prisão processual para parlamentares”. Esse é o ponto que fiz questão de firmar para demarcar que pelo menos um senador se insurgiu contra a jabuticaba que nos foi oferecida pelo Supremo.

Nenhum preço será alto demais para defender o que acho justo. Fui o único senador que votou pelo voto aberto e sustentou, com argumentos, uma posição contra majoritária e impopular.

Da minha parte, espero que o senador Delcídio possa responder pelos seus atos, com ampla garantia de defesa. Se os juízes, a quem cabe julgá-lo, entenderem pela sua culpa, que seja punido com o rigor que merece. O legítimo desejo de fazer Justiça não pode minar o edifício do Estado de Direito, que nós, brasileiros, construímos com tanto sacrifício.


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