CAÇA AO NOME SUJO - NO SPC E AINDA SEM EMPREGO





Ministério Púbico vai recorrer da decisão do TST que permite às empresas consultarem os serviços de proteção ao crédito antes de contratar trabalhadores.
Sinal verde para que empresas pesquisem no SPC a vida de candidato a emprego causa polêmica e irrita trabalhadores e sindicalistas
A decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) de permitir que empresas consultem o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) sobre dívidas de candidatos a emprego causa polêmica. Ao mesmo tempo que irrita sindicalistas, a sentença que reconhece o direito do contratante sobre a vida pregressa do trabalhador ganha o respaldo de advogados especializados na área.
Tudo começou com uma denúncia anônima, feita em 2002, de que o supermercado G. Barbosa, de Sergipe, adotava a prática discriminatória ao não contratar pessoas que, mesmo satisfazendo os requisitos para admissão, estivessem com o nome sujo na praça. Agora, a disputa pode voltar ao próprio tribunal ou até mesmo ir parar no Supremo Tribunal Federal (STF).
O procurador-geral do trabalho Luís Camargo, de Brasília, anuncia que vai recorrer da decisão da Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST),  de 23 de fevereiro, que permitiu a consulta de pendências ao SPC. A seu ver, além de discriminatória, a prática caracteriza invasão de privacidade dos candidatos ao emprego. A medida causou indignação entre trabalhadores e sindicatos. A Força Sindical, por exemplo, estuda uma maneira para pedir a anulação do julgamento. O caso é alvo de divergências até entre especialistas. Alguns deles, ouvidos pelo Correio, apresentaram argumentos contra e a favor à interpretação do TST.
Ricardo Trotta, especializado em direito empresarial, é cauteloso quanto à decisão. Ele alerta que a medida afeta não só o candidato devedor, mas também os credores. "Se a pessoa não conseguir emprego, vai ser mais difícil honrar as dívidas. É uma questão que fere o direito econômico", pondera. Trotta lembra também que, corriqueiramente, as empresas cadastram consumidores indevidamente no SPC, sem que o trabalhador nem sequer saiba que está com o nome sujo.
"Há casos de pessoas que passam anos sem se dar conta disso", acrescentou Trotta. Foi o que aconteceu com a pedagoga Meiri Fabíola Andrade, 34 anos, que teve o nome negativado depois do extravio de conta. "Meu nome entrou no cadastro do SPC por erro de uma grande loja, que mandou o carnê e as correspondências para o endereço trocado. Se o empregador consultasse o cadastro, meu nome seria encontrado e eu seria prejudicada, perdendo uma oportunidade de emprego", alertou.
Para Paulo Sergio João, advogado especializado em direito trabalhista, a decisão do TST está correta. Ele defende que o comportamento social dos candidatos deve, sim, ser avaliado pelas empresas na hora da contratação, para prevenir danos ou prejuízos futuros causados por comportamento inadequado da pessoa contratada. "Não há sentido em o Ministério Público recorrer, já que o próprio cargo de procurador do trabalho exige certidões negativas", sustentou. Camargo rebate. Na sua visão, as exigências para postos públicos ou para empregos comuns no mercado de trabalho devem considerar a diferença da natureza dos cargos.
Entre os que buscam emprego, a repercussão do julgamento do TST foi bastante negativa. A empregada doméstica Mônica Cristina Feitosa de Lima, 42 anos, procura emprego na área de serviços gerais e é contrária à consulta ao SPC por empregadores. "Onde já se viu não dar emprego porque a pessoa tem dívida? Sem trabalho, ela não pode pagar o que deve", protesta. A técnica de enfermagem Zenaide Vieira, 47, também considera injusto que a vida financeira do candidato seja vasculhada pelo empregador. "Não se pode tirar o emprego de quem quer trabalhar. Já enfrentamos problemas por conta da idade depois dos 40 anos e, agora, vamos ter que passar por mais essa", desabafou.
Base legal
A Justiça de Sergipe chegou a propor a assinatura de um Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC) com o supermercado G. Barbosa para suspender as pesquisas ao SPC, mas o estabelecimento se recusou a mudar de postura. Em recurso de ação civil pública, o Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região (SE) deu ganho de causa ao supermercado, que foi confirmado pelo TST.
O secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, mostrou-se surpreso. "A primeira coisa que o trabalhador faz ao conseguir um emprego é pagar as contas atrasadas. Isso (o uso da consulta ao SPC como critério de seleção) vai incentivar a informalidade", argumenta. Para ele, a medida é inconstitucional e pode ser questionada no Supremo Tribunal Federal (STF), com base no artigo da Constituição Federal que estabelece como objetivos fundamentais do país "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação".
O procurador-geral do trabalho Camargo explica que, assim que for intimado, vai avaliar o processo e preparar uma pesquisa sobre decisões divergentes em casos semelhantes julgados pelo próprio TST. Se houver controvérsia, um recurso de embargo poderá ser apresentado ao próprio tribunal. "Uma coisa é certa: seja no TST ou seja no STF, irei recorrer", assegura. Procurado, o relator do recurso no TST, ministro Renato de Lacerda Paiva, não quis dar entrevista.

Autor(es): Gustavo Henrique Braga e Jorge Freitas
Correio Braziliense - 25/02/2012

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