A coisa - COLUNA DO SARNEY
A coisa é mistério. Querer desvendá-la, tarefa a que só os mais de 90 anos da Folha podem aspirar: um convite a ficar “por dentro das coisas”, para falar “coisa com coisa”. Coisa de inteligência e possível numa campanha instigante de aniversário, digna de ver a coisa como a coisa é.
Na política, a coisa sempre foi motivo de grande especulação. Lembro-me de uma história que contavam quando Juscelino resolveu enfrentar o veto dos ministros militares à sua candidatura à Presidência da República. Reagiu, foi à Convenção do PSD e pronunciou a famosa frase: “Deus poupou-me do sentimento do medo”, da qual Autran Dourado afirmava ter sido o autor e a versão mais corrente é que a autoria seja de Augusto Frederico Schmidt.
Benedito Valadares, prudente e arguto, quando encontrou Juscelino, a quem tinha lançado na política, perguntou-lhe, irritado: “Você ficou doido? A coisa está mesmo preta, Juscelino.” Este revidou: “Não tenho mais medo de coisa nenhuma.” Daí surgiu a famosa frase de Valadares que Tancredo gostava de repetir: “O Juscelino está querendo ser Tiradentes com o pescoço da gente.” Era a antevisão da coisa, que não chegou naquele tempo, mas baixou em 1964.
Li, há muitos anos, em Tobias Monteiro, a teoria de que no Império existia uma “coisa” estranha. Quando uma situação de calmaria, um tempo de tranqüilidade se instalava, de repente, sem motivos aparentes, as nuvens se carregavam e surgia uma tempestade inesperada, a coisa que toldava o ambiente. E tudo ia para trás. No Rio de Janeiro, no tempo dos golpes, o comum para se aferir o termômetro da crise era a expressão: “A coisa está séria, a Vila Militar vai descer.” Vila era sinônimo da coisa. Agora, a coisa está nas Bolsas, nas notícias de corrupção e até na precaução que devemos tomar, com a cautela de um neologismo nascidos dos recursos tecnológicos: “Seu telefone está coisado.”
Shakespeare colocou nos lábios de Hamlet a dimensão desse conceito misterioso, enigmático e imponderável da coisa quando ele diz a Horácio: “Há mais coisa entre o céu e a terra do que sonha a tua vã filosofia.” O povo traduz na forma popular: “Há mais coisa no céu além dos aviões de carreira.”
O importante no compreender a coisa é saber a natureza da coisa. A coisa é concreta, mas a coisa de que falamos é substantivo abstrato. Ela existe, mas não existe. Vive em latência, não é nada, e é tudo. Defini-la é ter o sentido da indefinição.
Também existem outros tipos de coisa.
Tenho um amigo, austero ministro de um tribunal superior, que, nos tempos de jovem, fez uma música falando de outras coisas que dizia: “Muita coisa eu tenho a dizer/ tantas coisas eu tenho a falar/ mas não vim para te convencer/ eu vim só patati, patatá.”
O presidente da República, por exemplo, quando fala uma coisa é uma revelação do que vai acontecer. Mas, às vezes, não acontece, porque é da natureza da coisa ser o oposto da máxima absolutista: “Palavra de rei não volta atrás.”
Também serve para definições amargas. Clemenceau, o “Tigre” da Primeira Guerra Mundial, que era médico e político, desabafou, com sarcasmo: “As duas coisas mais inúteis que conheci na França foram a presidência da República (parlamentarismo) e a próstata.”
A coisa - COLUNA DO SARNEY
Publicada no jornal O Estado
27.01.13
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