As muitas vítimas da covardia - Correio Braziliense




Autor(es): ARIADNE SAKKIS
Correio Braziliense - 03/03/2013

Ao tirar a vida das ex-companheiras, agressores deixam um rastro de devastação nas famílias. Filhos, mães, pais e irmãos têm de conviver com o sofrimento e lutar para que seja feita justiça

O assassinato da vendedora Fernanda Grasielly Almeida Alves, 25 anos, na manhã da última sexta-feira, é prova de que os episódios de fúria protagonizados por maridos ou ex-companheiros não tiram a vida apenas da mulher. Dez meses depois da primeira ameaça, Victor Gabriel Medeiros, 29 anos, foi até a loja em que a ex-mulher e mãe de seu filho trabalhava, em um shopping da capital, e desferiu três facadas contra ela. Apesar de ter recebido socorro imediato, ela não resistiu. Inconformado com o fim do relacionamento, ele achou que tinha o direito de acabar com a vida de Fernanda.

A verdade é que esse tipo de homicídio faz várias vítimas. A vida jamais será a mesma para quem fica. Mas a dor reservada às mães dessas jovens é ainda pior. Não bastasse ter que superar a perda de uma filha, elas quase sempre assumem a criação dos netos e a busca pela condenação dos assassinos.

Terezinha Mamédio de Souza virou a madrugada de 13 de agosto de 2012 rodando os 800 quilômetros que separam Palmas (TO) do Gama. Pediu a Deus que a filha Antônia Cleia Mamédio, 40 anos, resistisse aos ferimentos provocados pelos três tiros que levou do ex-marido, Márcio da Paz Sousa, na noite anterior. Ela não sabia que Antônia morrera na hora. Ninguém quis contar com medo de a mãe passar mal. Quando o veículo dobrou a esquina da casa de Cleia, na Quadra 1, a multidão e os carros da imprensa dispensaram as explicações. "Desci do carro e as pessoas diziam: "Meus pêsames"", recorda.

É difícil para Terezinha relembrar a trajetória da família Mamédio. Como tantas histórias de violência doméstica, os atos da trama de Cleia se dividiram entre paixão, ciúme, aprisionamento, ameaças e, por fim, morte. Aos 65 anos, Terezinha se viu desconfigurada diante da tragédia da filha. "Acho que nunca mais vou confiar em alguém na minha vida. A humanidade se perdeu, sabe...", diz ela, afastando o choro com as mãos.

Duas faces
Márcio e Cleia se conheceram em 2009, quando ela voltou a viver no Distrito Federal, depois de muitos anos em Tocantins. A moça não queria um novo namoro. Acabara de sair de um casamento e tinha duas filhas para criar, uma de 2 anos e outra de 17. Mas a insistência de Márcio funcionou. O ciúmes dele por ela, mulher bonita e vaidosa, foi o flagelo da relação desde o início. Longe da família dela — diante da qual Márcio era só carinhos —, as agressões físicas e verbais eram frequentes. Aquele era o homem que pedia a bênção de Terezinha todas as noites.

As histórias de violência começaram a aparecer para os parentes dela muito tempo depois. Algumas só vieram à tona depois que a jovem morreu. "Um dia, ele bateu na Cleia em um bar aqui na esquina. Depois, voltou lá para se explicar para o povo. Disse que a mulher era louca, tomava remédio controlado", conta Claudene, 39 anos, irmã da vítima. "Com a gente, ele era prestativo, calmo, educado. Ela mesma dizia que não podíamos imaginar como Márcio era entre quatro paredes", continua Terezinha. Ciumento, vigiava os horários de saída e de chegada da companheira. Cansou de acusá-la de ter amantes. Invadia até mesmo as idas semanais de Cleia ao salão de beleza.

Ameaças
O casamento terminou, mas eles acabaram retomando o relacionamento. No segundo semestre do ano passado, a mulher cansou de ser acuada e registrou uma queixa contra ele. A Justiça concedeu a Cleia uma medida protetiva e proibiu o agressor de se aproximar dela. "Depois disso, começaram as ameaças de morte. O meu filho conversou com o Márcio. Disse que ninguém é obrigado a ficar com outra pessoa. Ele respondeu que era apaixonado demais, que não conseguia viver sem ela", conta Terezinha.

Em 12 de agosto de 2012, armado, Márcio esperou por ela em uma esquina da rua onde a ex-mulher morava. Cleia estava na casa de uma vizinha e percebeu a presença dele. "Ela telefonou para ele e disse que o havia visto. Pediu que entrasse para conversarem", lembra a mãe. Testemunhas, incluindo uma menina de 6 anos, disseram que o homem entrou na sala e mandou todos, menos Cleia, se virarem para parede. Em seguida, ele disparou três vezes. À polícia, ele admitiu o crime, mas sustentou que agiu depois de "injusta provocação da vítima". Márcio aguarda preso o julgamento pelo Tribunal do Júri.

Terezinha, que nunca gostou do companheiro da filha, agora se refere a ele apenas como "o assassino". A neta mais nova voltou para Tocantins, onde mora com o pai, ex-marido de Cleia. A mais velha vive no mesmo lote que a avó, na casa que pertencia à mãe. Terezinha diz que pretende fazer de tudo para que a neta nunca seja submetida ao mesmo sofrimento. "Depois de tudo isso, perdi a fé. Um pouco da fé em Deus e mais ainda nos homens. Espero que ele pague pelo que fez. A raiva que tenho dentro de mim é muito grande. Espero que sofra do mesmo jeito que eu estou sofrendo", desabafa a aposentada.

Autor(es): ARIADNE SAKKIS
Correio Braziliense - 03/03/2013


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