RECORTES DA REALIDADE -01

Em uma manhã ensolarada de uma segunda-feira qualquer, como parte de minha rotina, estou indo de casa para ao trabalho em um ônibus coletivo abarrotado, olho para as pessoas ao meu redor e percebo pela fisionomia que todos estão com pressa para chegar ao seu destino, cada um com seu problema.

Ainda sonolento observo uma senhora de aproximadamente sessenta anos, de aparência humilde, rosto sofrido, ela está sentada ao meu lado e inicia um monologo, ela pensa alto, fala sozinha, lamenta que a filha mais velha não lhe dá atenção, é ingrata, lhe desprezou, não “liga” para ela.

- Estou indo aqui sozinha para o Aldenora Belo fazer uma consulta, estou com muito medo, ninguém quer ir comigo, minha filha Elinete, disse que não pode ir, não tem tempo, está muito ocupada cuidando da casa dela e dos filhos, disse a sofrida senhora, que a esta altura se derramava em lagrimas.

Todos no ônibus de repente ficaram em silêncio, observando aquela cena, a pobre mulher continuava a contar seu drama, sem se incomodar com os olhares curiosos que lhe eram dirigidos.

Agora com um tom de voz mais alto, lamenta que quando Elinete teve um problema de saúde grave a uns dois anos atrás, ela foi chamada para cuidar da filha, e esteve ao seu lado durante todo o tempo em que ela esteve internada, cuidou dos filhos e da casa da filha, e agora quando precisou de Elinete, ela a abandonou, virou lhe as costas, a esta altura varias pessoas tentavam conforta-la com palavras de encorajamento do tipo, “é isso mesmo, os filhos de hoje não valorizam mais os pais” ou “não chore, Deus vai resolver, confie nele, vai dar tudo certo, ela vai receber o castigo que merece”.

Olhando melhor, percebo as linhas do tempo naquele rosto abatido, vestida de forma humilde, um vestido desbotado e mal cuidado, uma sandália de dedo velha nos pés. De repente aquela senhora se levanta, puxa a corda, chegou na parada onde ela via descer, desembarca ainda chorando, o ônibus segue viagem o silêncio toma conta de todos e a viagem continua.

Este é apenas um retrato, um recorte da dura realidade vivida por milhares de pessoas e que quase sempre passa despercebido. A ingratidão dos filhos, que depois de criados abandonam seus pais, o sofrimento e o drama pessoal de alguém que cuidou dos filhos com amor e carinho e em troca recebe a indiferença o abandono. Sim tudo isso não interessa para aqueles que querem apenas chegar ao seu destino e cuidar de suas vidas.