Eu te conheço Carnaval! por José Sarney






Este Carnaval chega em boa hora. O Brasil está precisando de um pouco de alegria e o Maranhão também. O Carnaval do Maranhão sempre foi célebre. Ele manteve-se fiel as suas origens e resistiu muito tempo às padronizações das escolas de samba. Distinguia-se dos demais Carnavais brasileiros justamente pela sua fidelidade ao passado. Nossa cidade e nossas tradições culturais justificavam isso.

Estava morto quando Roseana assumiu o governo pela primeira vez. Mas ela, com sua forte personalidade e sensibilidade para a cultura popular, ressuscitou o Carnaval. Incentivou blocos, o velho Carnaval e as escolas de samba. O Carnaval de rua renasceu. Ela mesma, com sua presença, participando, desfilando e comandando este folguedo popular, constituía um incentivo para o povo, com sua simplicidade e gosto pela música. 

Eu acho que o primeiro Carnaval que teve o Brasil foi no descobrimento, promovido pela marinharia e pelos índios. Ele está descrito na Carta de Pero Vaz de Caminha (cujo documento original foi visto pelo povo maranhense na Exposição do 5º Centenário, no Convento das Mercês). Foi Diogo Dias quem, para confraternizar com os índios, desceu à praia, levou consigo um “gaiteiro nosso com sua gaita, e meteu-se com eles a dançar, tomando-­os pelas mãos, e eles folgavam e riam e andavam ao som da gaita”. Caiu na folia com as índias e pulavam e riam e cantavam com “animais monteses” (estou repetindo Caminha) ­ e assim estava inaugurado o Carnaval. 

Quando hoje temos as mulheres de biquínis audaciosos, verifico que são mais resguardadas que as índias nuas, com suas vergonhas nuas, “cerradinhas”, “graciosas”… “que a muitas mulheres de [Portugal envergonhariam], por não terem as suas como elas”. E não ficou num dia só. Diz Caminha que, no outro dia, voltaram à folia, “dançaram e bailaram …ao som dum tamboril”. Era 24 de abril de 1500.

 Depois de dois séculos sem registros, o Carnaval aparece com o entrudo que os portugueses trouxeram. Depois, cordões, ranchos, danças de todo tipo, até chegarmos aos dias de hoje com as escolas de samba, que tiveram o maranhense Joãozinho Trinta como grande inovador. 

O Maranhão tem ainda o Cruz Diabo, o Fofão, o Siri na Vara e, mais modernos, a Bandida, a Máquina de Descascar’Alho, a Bicicletinha e tantos e tantos tipos e grupos que fazem o gosto popular. 

No meu tempo, o que mais se desejava era saber quem estava debaixo do fofão e a gente poder gritar: “Eu te conheço Carnaval!” 

Em Pinheiro, num Carnaval, descobriram que um fofão era o padre. Foi uma gozação geral. Dom Haroldo, o nosso bom sacerdote da Liberdade, gosta de ser chamado o Padre Boieiro. Afinal, todos somos filhos de Deus e os sacerdotes também têm direito à alegria.

Isso não pensava dom Felipe Conduru Pacheco quando eu era governador, em 1966, e tinha o slogan “Maranhão Novo”. Dom Felipe, já velhinho, aposentado, morando no Palácio Episcopal, escreveu-­me um cartão: “Governador Sarney: Não fale em ‘Maranhão Novo’ enquanto existir essa devassidão que é o Carnaval. Ass. Dom Felipe Conduru, bispo de Parnaíba.”


Artigo de opinião semanal de autoria do ex-presidente da república, ex-senador, ex-governador, escritor, imortal da Academia Brasileira de Letras - José Sarney.
Publicado em 15/02/15 no jornal O Estado do Maranhão



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