quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Sobre o Jornalismo militante - Paulo Pellegrini

Como forma de contribuir com o debate sobre o exercício do jornalismo militante, este blog reproduz na íntegra  interessante artigo do brilhante jornalista, mestre e professor de jornalismo Paulo Pellegrini. 



*Paulo Pellegrini
O recente episódio envolvendo a queixa de um jornalista local sobre atraso de pagamentos da Prefeitura a profissionais da imprensa me convence ainda mais da necessidade de discussão sobre o jornalismo militante que tanto caracteriza a profissão no Brasil.

É um assunto delicado porque mexe com pontos de vista sobre jornalismo e acusações veladas, por isso a análise deve ser cuidadosa, mas nem por isso acrítica.

Parto do princípio – e deixo claro a meus alunos – de que jornalismo e militância política não devem andar juntos. Por mais que grande parte dos profissionais ingresse na profissão com desejo de “mudar o mundo” e por mais que muitos deles realmente acreditem que determinado grupo político ou posicionamento ideológico representem “o bem”, a atividade jornalística deve sobrepor essas idiossincrasias. O jornalismo, enquanto campo do conhecimento, não tem partido, não tem ideologia, não é simpático a ninguém.

Claro, não dá para separar jornalismo de dinheiro. O jornalismo é filho do capitalismo, quer dizer, o que conhecemos hoje sobre conceitos, teorias e práticas nasce nas redações, que, por sua vez, pertencem a empresas de comunicação, as quais, para sobreviverem, trabalham sob a lógica do capital. Jornalismo é, portanto, um negócio, dessa forma, suscetível aos humores do mercado.

Mesmo assim, é dever do jornalismo do dia-a-dia conseguir ser apartidário, não-ideológico e não-simpático. É na publicidade que a empresa deve auferir lucros e essa é uma decisão possível. O gosto pelo dinheiro é que cria o discurso de que a redação é necessariamente vendável. Deve-se pensar em formas de sustentação do negócio sem por na prateleira a profissão enquanto tal, ainda mais nos tempos atuais em que, no mundo digital, os custos de produção da informação diminuíram.

Porque o que acontece é que o grau de influência político-partidária nos textos é quase sempre um fenômeno anterior. Muitas vezes, não são os jornais ou blogs que se alinham às ideologias partidárias; eles são criados por essas ideologias e para esses fins. Defendo uma transparência nessa relação. O que chamam de controle social da informação deve incluir um rastreamento dos veículos de comunicação (no sentido de saber de onde vem todo o dinheiro) e apresentar esses dados ao leitor, que tem o direito de saber por que está lendo o que lê.

Esse tipo de controle é tão fundamental quanto os outros, sobre democratização dos meios, fim dos oligopólios ou ética na comunicação. De nada adiantam essas conquistas se o jornalismo continuar aliado ao poder público de quem recebe dinheiro.

Na Europa e nos Estados Unidos, é comum se pagar para pessoas darem entrevistas. Esse é um argumento comum para celebrar a “idoneidade” do jornalismo brasileiro. Só que lá as coisas são feitas às claras.

Durante anos, os jornalistas acusaram as redações de cercearem seu trabalho, mas quando têm a chance de ser independentes, muitos preferem um jornalismo “livre para a dependência". A alegação de que é uma profissão como qualquer outra, que precisa de dinheiro para sobreviver, e que esse dinheiro é fruto da publicidade oficial, pode ser refutada pela lida nos posts ou textos e a percepção de que a linha editorial, formalmente não vendida, é sempre simpática à linha política do grupo que faz a publicidade.

Há uma modalidade especial para isso, que é livre no Brasil (mas restrita em países como Portugal, França e Bélgica), a Assessoria de Imprensa. Seria também bem tranquilo se essa relação entre imprensa militante e governantes fosse oficializada e essa seria outra medida interessante do controle social da informação.

O fato é que para quem pensa como eu, é extremamente desconfortante observar a bipolaridade do jornalismo local, em que as pautas respondem primeiro ao objetivo de agradar aos aliados e confrontar os adversários, e depois ao de informar o leitor. O que fez o jornalista que reclamou dos atrasos de pagamento da Prefeitura que, segundo ele, prioriza o pagamento a pastores e diáconos e deixa de lado os jornalistas “que ajudaram o prefeito a se eleger” foi mais que um desabafo ou cobrança: foi uma confissão, tanto que o post foi prontamente retirado (mas pode ser encontrado no blog do Ed Wilson) e a Prefeitura imediatamente negou o fato.

Não é porque a política local é bipolarizada que o jornalismo praticado por aqui tenha que ser. Aliás, a própria imprensa ajuda a construir a bipolaridade dessa cena política. Por que é tão difícil uma terceira via na imprensa, o desenvolvimento de um jornalismo que olhe para os dois lados com a mesma distância, o mesmo senso crítico e a mesma responsabilidade? Nada impede que isso ocorra, a não ser o comportamento dos próprios jornalistas.

Um país democrático precisa de uma imprensa vigilante. Assim, imprensa e governo não podem andar juntos. Nem imprensa e oposição. Aliás, imprensa e ninguém. A ideia de uma imprensa governista serve ao discurso único ou à divinização do governante. Porque governo não é povo, governo presta serviço ao povo. Então, serviços mal prestados são pauta para a imprensa. Serviços bem prestados devem ser rotina, e rotina não é pauta em jornalismo. O que vemos nas capas dos jornais locais como notícias muitas vezes são a personificação na presidente, no governador ou no prefeito de ações rotineiras, fenômeno aliás semelhante ao que ocorre em alguns países europeus, como França, Portugal e Itália, que praticam também um jornalismo estatal, que transforma o ato de governar em pauta.

*Paulo PellegriniJornalista formado pela Universidade Federal do Maranhão, Mestre em Cultura e Sociedade, especialista em Ciência da Informação e em Jornalismo Cultural pela mesma universidade, paulistano, palmeirense, apaixonado por futebol, automobilismo e música. Professor de jornalismo da Faculdade Estácio de São Luís. Coordenador da Rádio Universidade FM (São Luís-MA). Vocalista, guitarrista e compositor da banda de rock Mr. Simple.

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