segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

A classe média e o carroceiro chicoteado


“Não, meu coração não é maior que o mundo. É muito menor. Nele não cabem nem as minhas dores”.
(Carlos Drummond)


Um carroceiro identificado como Olegário, dava chicotada no jumento, no Retorno do São Francisco, na capital do Maranhão. Precisava juntar o lixo de algumas madames para comprar o almoço. O bicho birrou. Apanhou mais para cumprir o trágico destino dos que nascem com as dores, no olhar.

Uma mulher, supostamente jornalista, branca, que teve sua identidade guardada em sigilo máximo, desceu do carro (novo). Arrancou o reio das mãos do negro alforriado e bateu como se estivesse penitenciando ao próprio Jesus Cristo. As pessoas que passavam pela cena, encararam como algo dentro da normalidade. Os animais merecem respeito! 

A repercussão foi mínima. Um vídeo lançado rapidamente nas redes sócias destacava: “mulher bate em carroceiro para defender um jumento”. A OAB não se manifestou. 

A Promotoria Pública não publicou nota, nem concedeu entrevista. Os jornalistas não entenderam o acontecimento. Os poetas não se inspiraram. 

Engraçado! Em 2018, a justiça brasileira faz a campanha de Valorização e a Defesa dos Direitos Humanos da Pessoa Idosa. As peças publicitárias são comoventes? Sem dúvida, o material gráfico é dinamarquês.

Parece um acontecimento sem relação com a história do país. Só parece. Por conta desta eleição atípica que tivemos. Fui ler as novas teorias sociológicas da identidade nacional. Fiquei triste por endeusar e reler o Casa Grande e Senzala, Raízes do Brasil, muitas vezes. 

Não herdamos a corrupção dos portugueses, porque o rei era proprietário de tudo. A noção de corrupção pública nasce com estado moderno. Não somos o homem cordial (só corpo, portanto inferior), que vive a confundir o público e o privado. A corrupção não é algo exclusivo do Brasil e do estado. 

E principalmente não somos a lata de lixo do mundo. Não somos vira-latas, vivendo as carências civilizatórias, nos trópicos; (definitivamente, os americanos não são exemplo de moralidade).

A elite paulista ao perder o poder político para Getúlio Vargas em 1930, precisava dominar ideologicamente o povo, de maneira que tivesse a classe média como o novo capataz, numa sociedade fundada através da escravidão desde o zero ano. Então, cuidaram de criar a teoria do povo corrupto, do estado grande e do homem bom (apenas de samba). 

Tanto a direita quanto a esquerda foram colonizadas por essas ideias absurdas. Sérgio Buarque de Holanda é princípio gerador dos planos de governo de Fernando Henrique Cardoso, mantendo um respeito enorme do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Isto é, uma interpretação erradíssima, mas que está na universidade, nas escolas, nos bares. 

Ninguém enxerga a corrupção do mercado (somos roubados pelos juros mais extorsivos do planeta). Calma, é normal. Pagamos cinquenta por cento do PIB para uma dívida pública que nunca foi auditada. 

Cinco bilionários entre nós, ganham o equivalente a cem milhões de brasileiros. O descendente de escravo deve ser mesmo a babá, o pedreiro, no máximo o taxista. É normal! Claro! Uma sociedade montada no modelo escravista aceita toda barbárie contra os invisíveis como natural.

Por isso, a mulher branca do início da reflexão, formada, classe média, entende que é preciso salvar os animais, e maltratar o excluído. Ele está para nossa sociedade abaixo do bruto. 

Eu preciso concordar com a Marilena Chauí: “a classe média é uma abominação política, porque é fascista. É uma abominação ética, porque é violenta. É uma abominação cognitiva, porque é ignorante”.



Texto: PAULO RODRIGUES – Professor de Literatura, poeta, escritor autor de O Abrigo de Orfeu (Editora Penalux, 2017), Escombros de Ninguém (Editora Penalux, 2018) e membro efetivo da Academia Poética Brasileira.




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