O PONTO “G” DO CIDADÃO DE BEM




Prof. Xico Gonçalves, militante das causas do BEM VIVER!

O Brasil ainda lembra da abertura das Olimpíadas de 2016 e o grito que ecoou no Maracanã contra a presidenta Dilma Roussef, a primeira mulher a presidir o país: “Vai tomar no cu!”. Aquela frase ainda ressoa na sociedade brasileira, pois ela seria usada outras vezes contra as pessoas que viriam a se contrapor ao fascismo, à extrema direita, ao conservadorismo. O “vai tomar no cu” se somaria ainda a outros arroubos dos homens de bem, defensores da sagrada família brasileira, a exemplo do “imbrochável”, famoso grito de afirmação de uma sonhada masculinidade varonil, poderosa sexual e politicamente, impositiva e patriarcal. A fantasia do sujeito “imbrochável”, no dia a dia, costuma se manifestar também como uma ameaça ao outro: “Vou te fuder”.

Recentemente, o vice-governador Felipe Camarão, no exercício do governo, foi vítima de ataques homofóbicos. Chamar o outro de “veado” ou insinuar que o adversário é gay virou uma forma política de desqualificá-lo. Mais ainda de inferiorizá-lo diante de um outro que se considera macho. É quase uma ladainha nas hostes fascistas de avocar para sim uma macheza disparando ataques homofóbicos contra os adversários. Basta lembrar que ataques semelhantes foram lançados contra o ex-governador Flávio Dino, próximo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), a ponto de o tamanho do seu pênis ter virado pauta de blogs e colunas de fofoca da direita e da extrema direita. Mas, como explicar essa obsessão dos fascistas? Essa fixação anal? Esse desejo peniano?

Entre obsessões e desejos, o fascista age para exorcizar os seus demônios e satanizar o outro e com isso camuflar os seus conflitos emocionais e estimular a população se afastar, temer e ter repulsa. E um dos “demônios” que os bolsonaristas, ao mesmo tempo temem e buscam isolar, é o gay. Para isso, buscam transformar o gay em monstro e expor o que seria uma monstruosidade contra Deus, a Família, a Igreja. Não é à toa que um dos ataques preferidos dos fascistas é chamar o outro de “qualira”, “veado”, “pederasta”, “sapatão”. Trata-se de produzir, com isso, isolamento social, tal qual era feito antigamente com os portadores de hanseníase, os chamados “leprosos”. O ideal de sociedade dos fascistas é um mundo dividido entre as “pessoas de bem” e os “pervertidos”, no caso gays, feministas, feiticeiros, hereges, quilombolas, indígenas, comunistas, que não se submetem à vontade que atribuem ser de Deus.

Por isso, ao fascista não interessa quem tem razão, o que interessa é silenciar o outro, aquele que pensa e age diferente dele. Observe que o fascista visa sempre atingir a posição do adversário no seu lugar de fala. Ele não tem interesse em debater, dialogar, conversar sobre qualquer tema, mas atingir a imagem, o lugar, a posição do outro para que, o que ele venha a dizer, não tenha nenhum valor. Na prática, o fascista visa impor uma censura a partir da desqualificação do outro. Fulano é “veado”, “qualira”, “sapatão”. É um desqualificado. Nada do que ele venha a dizer merece confiança. Esse é o método de debate fascista - desqualificar, censurar, silenciar, isolar. E daí também a violência verbal, pornográfica, polêmica, com a pretensão de afetar e mobilizar os piores sentimentos das pessoas.

Mas, essa macheza aparente, essa violência verbal esconde medo de mulheres e de gays. Com uma masculinidade cada vez mais frágil diante do empoderamento feminino e LGBTQIA+, o fascista age em grupo contra essas pessoas. Quando milhares de homens e mulheres gritaram contra Dilma “vai tomar no cu” nada mais fizeram do que repetir rituais de linchamento sexual, em que um protege o outro. “Vai tomar no cu”, “vai te fuder”, “vou te dar uma porrada” são todas expressões que recorrem ao imaginário sexual como forma de intimidação, de violência contra o outro. São maneiras de apreensão e manifestação de uma cultura do estupro que persiste na sociedade brasileira, regulando relações sociais e sexuais, de formas tão naturalizadas que são banalizadas. Até mesmo as pessoas que não se consideram fascistas usam essas expressões para atacar o outro.

E aí reside, por exemplo, uma das tragédias de nosso tempo. O sujeito homofóbico, também conhecido como homem de bem, é o exemplo do macho man, que se acha machão porque só ele “come todo mundo”, seja homem ou mulher. Mas, na hora que ele goza com outro homem, descobre por um breve instante a ilusão da fantasia. Ele é tão gay quanto o seu parceiro, porque nessa praia não existe salvo conduto para quem se transveste de “ativo”. E, para proteger a sua macheza, ele mata o parceiro. Ou seja, a fixação do “imbrochável” em sexo, como forma violenta de intimidação do outro, esconde desejos, sentimentos e emoções mal resolvidos, que, se confessados, poriam por terra o próprio cidadão de bem e a própria família brasileira, construída sob o jugo da violência sexual. Sobre esse tema, recomendo “Psicologia de Massas do Fascismo”, de Wilhelm Reich.

É possível que algum leitor ou leitora considere esse texto inadequado pelo uso de “pau” em vez de pênis, “fuder “em vez de ato sexual, “veado” em vez de homossexual ou “sapatão” em vez de lésbica. De fato, essa é uma reação possível, sobretudo quando se acredita que determinadas “palavras” não devem ser ditas em público.

Ocorre que as palavras significam e a cultura conservadora, que dá forma aos seus usos, está presente nas práticas cotidianas, pois não vivemos fora do mundo e nem da história. Basta observar que o palavrão mais usado no país é “porra”, embora muita gente nem saiba o que é. Ou seja, violência sexual não se limita apenas ao sujeito “homofóbico” ou “feminicida”. O ambiente é sexualmente violento e excludente. E isto é um prato cheio para os fascistas, sejam aqueles vestidos de religiosos, militares, políticos ou influencers, que constroem e mobíliam esses ambientes contra os outros e as instituições democráticas.


* Francisco Gonçalves


Professor da UFMA, Doutor em Comunicação e Cultura (UFRJ), secretário de Estado de Direitos Humanos e Participação Popular no Governo Flávio Dino (2015-2022).

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