A ERA DA BOÇALIDADE


*Chico Gonçalves

É consenso entre os especialistas que a resolução dos conflitos pelo diálogo, em vez da violência física e da lei do mais forte, é uma conquista civilizatória da humanidade.

 As modernas democracias se sustentam nessa ideia, embora ela venha sendo solapada pela produção e difusão de mentiras, atualmente chamadas de fake news, com o propósito deliberado de estimular a contenda, o ódio entre as pessoas e a violência física, como indicam o assassinato de Marielle Franco e as ameaças e assassinatos de quilombolas, indígenas e defensores e defensoras dos direitos humanos. Ou seja, contra o debate, cresce o número dos que apostam na violência física para dirimir conflitos de classe, raça, gênero e outros nas democracias liberais.

É nesse ambiente de contestação à democracia que o deputado Yglésio de Souza e o empresário Alessandro Martins decidiram substituir a resolução pacífica e mediada de conflitos por uma briga, no estilo vale tudo, com ingressos à venda, em um espaço público, para resolver suas desavenças, até agora expostas em insultos, que mais revelam o desejo de exposição do que qualquer desentendimento político e ideológico de fundo. Para dourar o ato de virilidade à la Mical Damasceno, os dois anunciaram que os recursos auferidos com essa briga serão em parte doados aos atingidos pelas mudanças climáticas do Rio Grande do Sul e a uma organização local. Antes, o deputado Yglésio chegou a propor que parte dos ganhos poderia ser utilizado também no tratamento do seu desafeto, ao qual atribui distúrbios psiquiátricos.

Ora, esta disputa braçal promovida por um empresário e um deputado estadual afronta o Estado Democrático de Direito, já que os dois estão propondo, na prática, a substituição da justiça pelo vale tudo, à revelia das instituições. Ou, tudo isso seria uma estratégia de marketing para atender demandas de exposição pública a partir da afirmação de uma virilidade que se expressa no ringue para delírio dos machos? Ou, uma clara violação do decoro parlamentar? Ou, ainda: irresponsabilidade médica, já que o deputado (e médico) reconheceu que está batendo boca com uma pessoa que precisa de tratamento psiquiátrico? Seja uma coisa ou outra, essa luta é um sintoma latente da boçalidade fascista que tomou conta da sociedade brasileira. Resta saber se os deputados e deputadas vão prestigiar esse espetáculo midiático ou enquadrá-lo como violação do decoro parlamentar. Ou, fomos capturados pelos portais do multiverso DIVERGENTES?

Prof. Xico

*Chico Gonçalves - Doutor em Comunicação e Cultura - professor da UFMA e ex-secretário de Estado de Direitos Humanos e Participação Popular do Maranhão (SEDIHPOP)


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