O Brasil escapou da Noite de São Bartolomeu? ou Não?
Texto: Francisco Gonçalves - A Noite de São Bartolomeu, ocorrida em 24 de agosto de 1572, não é apenas uma data esquecida nos anais da história, mas um lembrete sombrio do que ocorre quando o ódio se transforma em ação.
Em Paris, durante um período de fervorosa rivalidade religiosa, um massacre aterrador de huguenotes (protestantes) se desenrolou. O fatídico evento teve início após o casamento da princesa Margarida de Valois com Henrique de Navarra, uma união que prometia paz, mas que rapidamente se tornou o estopim de uma carnificina.
Movidos por um ódio avassalador, os católicos lançaram-se sobre os huguenotes, resultando em milhares de mortes. O massacre se espalhou como uma praga por outras cidades, com estimativas que variam de 5.000 a 30.000 vidas ceifadas.
Esse episódio macabro se consolidou como um dos momentos mais sombrios das Guerras Religiosas Francesas, simbolizando a intolerância que permeava a época.
Contudo, esse massacre não é um fenômeno isolado, mas parte de um padrão mais amplo de violência que deixou cicatrizes indeléveis na história da humanidade.
As lembranças da destruição da Biblioteca de Alexandria, do assassinato brutal da filósofa e matemática Hipátia, e do massacre em Ruanda, fruto do colonialismo europeu, ecoam como advertências, lembrando-nos do que não deve se repetir.
Três filmes que retratam essas histórias de horror e desespero são “A Rainha Margot”, “Alexandria” e “Hotel Ruanda”. Todas essas narrativas compartilham um denominador comum: políticas de ódio e ressentimento, estimuladas pelo poder, o ouro e a terra, que desaguam em tragédias.
Assim como o casamento de Margarida com Henrique foi o estopim para a carnificina, é inquietante imaginar o que poderia ter ocorrido no Brasil se o assassinato do presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva; do vice-presidente, Geraldo Alckmin; e do ministro do STF, Alexandre de Moraes, se concretizasse. E o Juca, uma figura que permanece não identificada?
O assassinato desses líderes poderia ter servido como um estopim para que grupos bolsonaristas, acampados à porta dos quartéis, desencadeassem um ataque feroz contra todos que se opusessem aos seus delírios políticos e ideológicos.
Seríamos então testemunhas de uma nova Noite de São Bartolomeu, um cenário de terror e sangue contra autoridades e instituições públicas em todo o país?
Os bolsonaristas, alimentados por um ódio fervente e apoiados por setores do agronegócio, de igrejas e das forças armadas, formavam uma tempestade de ressentimento contra a democracia e a esquerda.
É imprescindível seguir os fios de ódio que poderiam ter conduzido a uma catástrofe sangrenta no país. Talvez, por um fio tênue, o Brasil tenha escapado de sua própria Noite de São Bartolomeu, mas as sombras do passado sempre estão à espreita, prontas para se manifestar novamente, inclusive nas figuras ridículas que tentam se erguer contra a democracia. Para que não se repita: ditadura nunca mais!
* Francisco Gonçalves: Jornalista, professor de Comunicação Social na UFMA, Ex-secretário de Estado de Direitos Humanos e Cidadania
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